Memória Descritiva

Maio 2022, eu, Margarida Girão, criada na Sertã, estive na aldeia do Bravo a documentar (fotografia e vídeo) as rotinas dos seus habitantes, principalmente mulheres que ainda trabalham na agricultura e cuidam dos seus familiares.

Ao aceitar o convite da Maratona de Leitura, para ilustrar o cartaz da edição de 2022, aproveitei a oportunidade para lançar à equipa da Maratona o desafio de fazer uma residência artística numa aldeia remota do concelho da Sertã.

Durante 6 dias, acompanhei e participei nas rotinas familiares e de trabalho de 3 mulheres: a Cidalina, a Laurinda e a Helena.
Em tempos de discursos fáceis sobre empoderamento e coragem, estas 3 mulheres mostraram, sem terem percebido o impacto que tiveram em mim, o absoluto significado de resiliência, trabalho e respeito pela vida. Os 3 retratos, ilustrados e pintados, presentes na exposição são delas.
São a minha interpretação artística da Cidalina, da Laurinda e da Helena. Quis dar destaque à alegria, à fé e à força de vontade de cada uma, e da aldeia em si.

No último dia da residência, conheci duas irmãs, a Céu e a Isabel. Levaram-me ao campo e mostraram-me todo os processos de produção do queijo de cabra e das carcaças à moda do Bravo. No meio, histórias familiares e da vida.

Durante uma semana, regressei a casa dos meus pais na Sertã, sempre com legumes, bolos e pão caseiro. Prendas de quem gosta de partilhar o que faz e o que tem. Respeito pelas mãos destas mulheres.

Há-que compreender que a presente exposição é a minha visão.
E, inevitavelmente, a minha visão, sobre este ou outro determinado assunto, traz consigo o peso de outras experiências por mim observadas e vividas.
(Esta verdade aplica-se a qualquer pessoa.)
E, sendo profissional nas áreas de comunicação e criação de conteúdos, o nome MUTE tem a sua ironia.

MUTE porque o que observei no Bravo foi uma realidade que não entendo se é silenciada ou está, por si, em silêncio.
Uma realidade que se repete por Portugal continental e ilhas. Encontrei uma comunidade isolada na encosta de uma serra, sem transportes públicos de acesso fácil às vilas mais próximas. Ausência de acompanhamento psicológico. Sem ofertas de cultura e lazer para além da televisão e do rádio. Excepção, o café da Helena, que é o centro da alegria na aldeia.

Os pilares da sociedade não são responsabilidade exclusiva da política. São de todos nós enquanto cidadãos instruídos e justos.
E assim, MUTE por ter andado muda perante realidades humanas tão Bravas.

Abril, 2023